sábado, 2 de outubro de 2010

Efeitos da crise

Nu e arlequins, de Emiliano Di Cavalcanti, 1935
Stella Galvão

Na noite morna que se inicia em mais uma sexta-feira na rua do Salsa, Ponta Negra, Natal, já é outubro mas o mar ainda não é para peixe grande. Naquele microcosmo feito de bares em formato circular, bancos altos, drinques e música para todos os gostos, as garotas estão inquietas. O visitante estrangeiro escasseia e, sem ele, também os dólares ou euros. A grande expectativa é justamente que outubro reverta isso, quando estão previstos vários vôos chaters para a capital potiguar. Entre os passageiros, grupos de homens interessados em desfrutar das delícias de alcova apregoadas por amigos ou conhecidos que já estiveram na princesinha do Atlântico.

Um dos efeitos mais visíveis dessa crise transparece no semblante algo preocupado de Jaqueline, uma das garotas de ouro desse universo. Andar bamboleante, 22 aninhos e um par de anos de experiência na noite, Jaqueline atrai olhares, também de perto, quando o interlocutor se depara com duas esmeraldas que ela traz no olhar. Três meses antes, seu olhar era castanho e os cabelos ainda não tinham sido entregues a uma escova definitiva para alisar o que já é liso de nascença. Ela tem um cacoete de mordiscar o lábio superior enquanto relata as dificuldades para manter o mesmo padrão dos bons meses, com faturamento alto e grande variação de uma clientela disposta a sacar do bolso o equivalente a 250 reais por uma hora, em média, de alegrias íntimas.

Desde que se iniciou no ramo, a clientela preferencial é constituída por italianos, cujo idioma ela domina à perfeição. Então é verdade que línguas se aprendem rapidamente entre o farfalhar de lençóis? Ela gargalha, gostosamente, contando a história para um nativo do país do Vaticano. Ajudou também o fato de namorar um italiano que, desgostoso da pouca disponibilidade da namorada para visitá-lo e comer uma autêntica ‘massa à putanesca’, deu por encerrado o affair. Ela só ficou arrasada por um momento, ou melhor, até encontrar um conterrâneo do ex que a presenteou com um relógio lindo e um creme para o corpo sabor pêssego. Torceu o nariz para o cheiro a adocicado e rapidamente transferiu o mimo para a mãe.

E não é que, sob o efeito do rescaldo da crise econômica que abalou as finanças mundiais dois anos atrás, Jaqueline agora está cometendo o desatino de dirigir seu olhar aos compatriotas? Antes alheia aos turistas que aportavam ali de várias regiões do país, agora ela até negocia alguma redução na sua tabela. Não se trata de uma adesão irrestrita, mas provisória. Ela não tem muita disposição para as carências históricas dos ‘cafuçus’, como chama brasileirinhos em busca de diversão ligeira. Além de barganharem no valor principal, não são generosos em presentes e nem mesmo em convites posteriores para jantar, algo não tão raro quando há um estrangeiro em cena. Quanta desigualdade, Díos!

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