terça-feira, 31 de agosto de 2010

Versos orgásmicos

Fagner Melo*

Sinta esse sabor
Colando na sua pele,
Impregnando cabelos e lábios


Perceba meus sinais
Os movimentos do meu corpo e as curvas
Indicam o caminho...

Ouça minha respiração
Ofegante, culpa sua
Está no controle?
Aproveite,
Nunca sou dominado

É uma competição ?
Percebo, gostas de ganhar
Na intenção de ser o melhor?!
Afim de provar o que?

Ainda tem espaço para tanto ego?
Para ele meus gemidos são expoentes
Olhe pra mim,
Consegue me acompanhar?

Nós podemos chegar juntos,
Estou esperando sua deixa,
tão cansados e suados,
na busca da exaustão de ambos

Me encare
não prenda mais,
Admito, és resistente
Estamos quase lá

Você nunca vai esquecer
Isso, sinta o êxtase
Beije-se , beije-me e...
Acenda um cigarro.

* Exercícios poéticos-prazerosos de Fagner, estudante de Publicidade da UnP.

O inferno da sedução pós-moderna


Tadeu Oliveira

Escrever é um tremendo exercício para exorcizar nossos demônios. Mandá-los de volta pra onde não sabemos de onde vieram. Acontece também de surgirem ótimas produções de ‘demônios’ das ciências com olhar arguto sobre o social e que trafegam com desenvoltura no terreno das idéias provocadoras. E o demônio da vez se chama Jean Baudrillard e sua peripécia diabólica, o livro Da Sedução.
Escrito em 1973, o livro esmiúça e estabelece (sob a ótica da hiper-realidade), a sedução como a pedra do gênesis de nossa sociedade, motor do ser humano, primeiro impulso de nossa alma. Nesta afirmação, Baudrillard combate os valores principais da psicanálise freudiana, na qual aquilo que realmente responde ao nosso primeiro grito da consciência é a sexualidade.
         Sua afirmação consiste em uma análise dos fatores midiáticos pós-modernos em setores da vida cotidiana como o sexo, a política e a economia, a chamada hiper-realidade explicada pelo autor neste trecho:

“O hiper-realismo não é o surrealismo, é uma visão que persegue a sedução à força da visibilidade. Ele nos “dá mais”. Isso já é fato com respeito à cor no cinema e na televisão: dão-nos tanto, a cor, o contorno, o sexo em alta fidelidade, com os graves e os agudos (a vida, quê!), que não há mais a acrescentar, ou seja, a dar em troca. Repressão absoluta: dando-nos um pouco demais, cortam-nos tudo. Desconfie do que é tão bem “entregue” sem que nunca o tenha dado.” (p.38)


Baudrillard defende que a sedução é um fator de exclusividade feminina (o que qualquer ser do pequeno universo masculino já sabe desde que veio ao mundo). Como o livro foi escrito na época da “revolução sexual” – movimento feminista pelos direitos iguais entre homens e mulheres –, ele surge como um combate a esta aparente “guerra dos sexos”, realçando que as mulheres podem de fato deter o poder supremo do seu corpo e mente, desde que assim desejem:

“Que opõem as mulheres, no seu movimento de contestação, à estrutura falocrática? Uma autonomia, uma diferença, uma especificidade de desejo e de gozo, um outro uso de seu corpo, uma fala, uma escrita -  jamais a sedução. Envergonham-se dela como de uma encenação artificial de seu corpo, como de um destino de vassalagem e de prostituição. Não compreendem que a sedução representa o domínio do universo simbólico, ao passo que o poder representa apenas o domínio do universo real. A soberania da sedução não tem medida comum com a detenção do poder político ou sexual.” (pp.12 e 13)

No decorrer do livro, as afirmações neste sentido sempre se fazem presentes, com o autor buscando reafirmar suas ideias: “Estranha e feroz cumplicidade do movimento feminista com a ordem da verdade! Pois a sedução é combatida e rejeitada como desvio artificial da verdade da mulher, aquela que em última instância achar-se-á inscrita no seu corpo e no seu desejo.” (p.13)

Uma análise do mercado pornográfico então incipiente e da sociedade de consumo também cabe nesta obra. Neste instante, Karl Marx parece ‘ter baixado’ no autor. Sua veia socialista é escancarada:

“O pornô diz: existe sexo bom em algum lugar, pois sou sua caricatura. Na sua grotesca obscenidade, ele é uma tentativa de salvar a verdade grotesca do sexo para devolver alguma credibilidade ao modelo sexual enfraquecido. Ora, eis aí toda a questão: existe sexo bom, existe simplesmente sexo em algum lugar, sexo como valor de uso ideal do corpo, como potencial de gozo que possa e que deva ser “liberado”? É a mesma questão colocada à economia política: além do valor de troca como abstração e da desumanidade do capital, existe uma “boa” substância do valor, um valor de uso ideal das mercadorias e das relações sociais que possa e deva ser ‘liberado’?” (p.45)

Ainda há espaço para pequenas epifanias niilistas. Baudrillard, num acesso de Nietszche, vocifera pequenas centelhas divinas e profanas contra a verdade e o que mais restar ao redor. Segue uma pequena coleção delas: “Hoje nada é menos seguro do que o sexo, por trás da liberação de seu discurso. Hoje nada é menos seguro do que o desejo, por trás da proliferação de suas figuras.” (p.9); “A sedução sempre é mais singular e sublime que o sexo, e é a ela que atribuímos preço maior.” (p.18); “A obscenidade tem um futuro ilimitado.” (p.40); “O real aumenta, o real amplia-se, um dia todo o universo será real, e quando o real for universal será a morte.” (p.41). Nietszche total!
As ideias exploradas por Baudrillard em Da Sedução condizem com nosso cotidiano de uma forma assustadora. Não por proporem algo tresloucado ou fantasioso, mas sim por serem de uma obviedade ululante. Não é sempre que atentamos para a loucura pós-moderna e pensamos naquilo que nos rodeia, no mundo que nos seduz de forma tão sutil e ao mesmo tempo tão violenta. Os outdoors, os folhetos, os banners nos sites, as imagens no cinema e na TV, o universo virtual, todos eles tentam nos seduzir.
No momento de maior distração, já estamos no meio do turbilhão de ofertas, do universo supostamente ao alcance de nossas mãos. A hiper-realidade é mais palpável do que a consciência pode crer. Ela está dispersa por baixo dos véus da verdade absoluta, da intimação ao consumo exacerbado, da publicidade que dilacera as mentes dos desavisados.

          Antes a sedução fosse apenas uma dádiva feminina, restrita às nuances dos relacionamentos entre homens e mulheres. Esta dádiva é usada na publicidade aos montes. Mulheres nuas (ou quase) são os carros-chefe das campanhas de venda dos mais variados produtos. Ou até mesmo a própria beleza feminina sem a utilização do nu, como podemos perceber em comerciais de construtoras e concessionárias de carros.

          A publicidade, símbolo máximo do capitalismo, se apoderou da sedução feminina e gerou a partir desta uma forma de ganho de capital, instigando os mais primitivos instintos masculinos. Todos os homens, por mais idiotas que  sejam, sabem do poder que as mulheres exercem sobre eles.

          Baudrillard tem razão. E sua razão incomoda. Não é fácil parar para pensar sobre nosso admirável mundo louco. Multifacetada, a vida tem tantas faces e tantos véus que qualquer tentativa de explicação não cabe num artigo. Na sociedade dos simulacros, nada é o que parece. Ou é? Chega de pensar. Pensar enlouquece.

domingo, 29 de agosto de 2010

Encontro às cegas

Stella Galvão

Marcaram de se encontrar numa cafeteria, lugar da moda no país tropical. Talvez, ecos daquela atmosfera intimista de filmes franceses em preto e branco para descartar a fumaça dos cigarros. Uma estética que havia ficado para trás, mas cujo encanto permanecera, mesmo em locais que desafiavam a curva dos 30º celsius day by day. Falavam-se por celular. Estou agora em tal lugar, acabei de desembarcar nas proximidades daquilo conhecido e assim ia, aumentando a expectativa em torno do encontro às cegas. Ela anunciou como pista para o reconhecimento uma grande e exuberante bolsa preta. Ele fez eco: estou de preto. Estranho, ela pensou, já imaginando um agente funerário típico ou um egresso do universo punk. Mas já estava ali e a curiosidade era mesmo uma chama que ardia sem cessar naquela alma perscrutadora.

Então, toda confiante, se posicionou logo na entrada da livraria que levava ao tal café. Passou um calvo, depois um corpulento e finalmente surgiu o tal homem de preto. Baixinho mas charmoso, com aqueles tênis moderninhos que devem parecer velhos apesar de novos. Já quase quarentão mas adepto dessas modas que dão um ‘up no visu’. Cumprimentarem-se cordialmente, sem grandes arroubos. Sentadinhos no reino dos cafezinhos, ele dedicou-se a examiná-lo com o olhar averiguador de um médico legista. Ela encarnou pela vigésima vez o papel de “tímida se esforçando para parecer atirada”. Ela se agradou pelo jeito algo simplezinho e ao mesmo descolado do sujeito. E havia um par de olhos de cor indefinida, meio chumbo, tal vez, ou grafite. Um daqueles matizes meio impossíveis produzidos pelas misturas propostas pela indústria de tintas, de veículos automotores etc.

Mas foram ao que realmente importava, além do pedido comum de café expresso bem forte e espumante. Acertar as bases do programa íntimo, valores, limites, avanços, possibilidades e etc. Ele não negou que esperava encontrar uma deusa pronta e acabada. Ela, bonitinha, mas não escultural, alegou sua condição de amadora para aceitar uma sugestão de decréscimo no valor. Discreto, para não se ver em situação muito afrontosa e não sofrer um duro revés em sua consciência de si, do seu poder de sedução. Se era parco, pouco importava, contanto que houvesse. Tudo combinado, ele ficou de apresentar-se quando sobrasse o valor acertado na caixinha de todo mês. Ela parou de fazer as unhas enquanto espera os caraminguás do funcionário público, mas se delicia em saber o que a espera no fundo dos olhos sem cor do moço.

domingo, 22 de agosto de 2010

As damas do prazer no cinema


Stella Galvão
O cinema nunca fugiu da raia na hora de representar a mulher como uma sedutora, arrebatadora de pulsões masculinas, deusa do sexo, Afrodite, Vênus, imagem suprema do desejo. Filmes que marcaram época concentram, nelas, parte de sua força impactante e de sua persistência no imaginário coletivo. Quando elas encarnam prostitutas, a temperatura da audiência vai às alturas.
Selecionamos algumas atrizes que fizeram filmes memoráveis, encarnando profissionais do sexo com glamour, sex appeal e fartas injeções de volúpia. Cinéfilos de carteirinha talvez já tenham todas elas inscritas naquele terreno imanente dos desejos cristalizados sob a forma de imagens que os transportam a outras dimensões. Dimensões do prazer, certamente, ainda que apenas estético, não consumado, matéria-prima do universo cinematográfico.
A mais recente produção cinematográfica sobre o universo da prostituição é estrelada por Michelle Pfeiffer em ‘Chéri’. É impossível ficar indiferente ao retorno de Michelle Pfeiffer (cinquentona e ainda em grande forma física). Ela é Lea de Lonval, uma das belas prostitutas da alta-roda francesa da belle époque, no século XIX, uma cortesã especialista em atrair homens ricos durante tempo suficiente para lhes sugar o máximo de dinheiro possível e depois saltar para outro amante.
 










O jogo só tem uma regra: não se apaixonar nunca – deixar os sentimentos de fora é fundamental. Pfeiffer vai então “tomar conta” do filho lindo de uma colega de profissão: Chéri (Rupert Friend). Ambos são solitários e irão se complementar, mas terminarão por se ajustar, não sem alguma dramatização e sofrimento digno do romantismo, aos papéis sociais, ela assumindo a condição de cortesão aposentada, ele casando com uma rica herdeira, filha de outra ex-prostituta que amealhou muitos amantes.
Seguem algumas das prostitutas mais representativas da sétima arte:
Shirley MacLaine em ‘Irma La Dulce’, com Jack Lemmon tentando convencê-la a ter apenas um cliente.


Catherine Deneuve em ‘A Bela da Tarde’, o relato clássico da esposa frígida que se prostitui.
Jodie Foster em ‘Taxi Driver’, um dos melhores filmes do diretor Martin Scorsese, que lançou Robert De Niro.


Julia Roberts em ‘Uma Linda Mulher’, o conto de fadas da profissão, enorme sucesso comercial.
Louise Brooks em ‘A Caixa de Pandora’, clássico do cinema mudo em que ela faz uma devoradora de homens.

Greta Garbo em ‘Anna Christie’, ‘Mata Hari’, ‘A Dama das Camélias’, uma deusa das telas em ação.


Nicole Kidman em ‘Moulin Rouge’, todo o esplendor da época dos cabarés parisienses.

Monica Bellucci em ‘Malena’, ou como enlouquecer um séquito de marmanjos com um belo par de pernas.

Audrey Hepburn em ‘Bonequinha de Luxo’, uma delicada teia romântica a que não faltam diamantes.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Prisão dos sentidos

Jomar Morais

Os jornais noticiaram a descoberta e prisão de uma máfia de prostituição que usava até crianças para saciar os apetites sexuais de clientes de alto poder aquisitivo, inclusive autoridades, em bacanais realizadas em casas de campo e hotéis. Apesar do alarde das manchetes, nenhuma novidade. A profissão mais antiga do mundo nunca esteve tão ascendente como nos dias atuais. Rompeu os limites e a transparência dos velhos bordéis e espraiou-se por toda a sociedade, não mais como um meio, mas como um estilo de vida para jovens de ambos os sexos nesta época de relações humanas estraçalhadas. Sob o eufemismo de acompanhante ou dissimulada em profissões apoiadas na beleza corporal, ganhou a aparência de atividade lícita e mesmo o aval de pais desavisados ou avaros. Sofisticada, passou a bater ponto no nosso ambiente de trabalho e nos casamentos venais.

As ruas são o único lugar onde a prostituição ainda mostra a cara limpa, em sua versão decrépita. E as máfias que tomaram o lugar das ingênuas cafetinas, o seu lado mais sórdido e perigoso, porta de comunicação com o tráfico de drogas, outro assunto recorrente nos jornais. Talvez por isso as notícias sobre prisão de bandos que exploram sexo e drogas ainda provoquem indignação e nos mantenham conscientes de que há algo podre no ar. Distraídos, não conseguimos perceber a face sutil do desequilíbrio, exceto quando ela explode em crimes hediondos como o que envolveu recentemente o goleiro Bruno e sua amante Eliza, uma história trágica gerada na prostituição vip. Admitir então que participamos dessas estruturas corruptoras, é quase impossível diante de nossa aversão à autocrítica e nosso apego à hipocrisia.

A exemplo do mercado legal, os negócios ilícitos apóiam-se na lei de procura e oferta e tornam-se mais competitivos – e, no caso, mais perigosos – quanto maior é a busca pelo produto ou serviço oferecido. Prostituição e drogas dependem de consumidores, gente que se beneficia do delivery do crime, por telefone e pela internet, e em seguida sai às ruas para clamar por repressão a prostitutos e traficantes e seu rastro de brutalidade e sangue. O fingimento, no entanto, não é o centro do problema. A questão é por que ainda precisamos de prostituição se conquistamos a liberação do sexo do mundo dos tabus, e por que ainda dependemos de drogas para nos sentirmos relaxados e livres quando podemos ser mais autênticos hoje que no passado moralista.

Não nos viciamos em substâncias, pessoas ou situações e sim em sensações prazerosas, uma espécie de prisão dos sentidos na qual nos sentimos protegidos da ameaça de olharmos para dentro e administrar nossas contradições. Numa sociedade que elegeu o non sense do prazer imediatista, é doloroso enxergar essa verdade simples, mas não há saída efetiva sem nos entendermos com o nosso dragão. Essa pax interna é a chave para reduzir as compulsões, abrindo-nos a possibilidade de fruir a vida naturalmente, sem a ansiedade e o medo que sustentam o círculo dos vícios.

*Publicado no Novo Jornal de 03/08/10

domingo, 8 de agosto de 2010

Entre o academicismo e a masturbação teórica

'O grande masturbador', de Salvador Dalí

Tadeu Oliveira

Eis mais um “artigo torto” sobre outros artigos do meio acadêmico mundo afora,com enfoque nas questões em torno da sexualidade. Antes que as palavras vagueiem moribundas de nexo nesta pseudo-introdução bem articulada, vamos logo ao que realmente interessa.

O artigo Amor, Sexo e Dinheiro: uma interpretação sociológica do mercado de serviços sexuais, de Edmilson Lopes Júnior, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, apresenta algumas faces do mercado dos serviços sexuais em nosso objeto de estudo, o enigmático refúgio prazeroso do europeu.?

O texto foi escrito em abril de 2005, e nele o autor procura, sob a ótica da sociologia, elucidar o que acontece nesse mercado, usando de artifícios comuns a todos os pseudo-intelectuais metidos a “figurões” do meio acadêmico natalense. Deles, sabe-se que é comum o uso de vocabulário rebuscado em alguns trechos de seus textos, em suas falas como um todo, artifício muito comum para suprir a deficiência de ideias de força. Lopes Júnior segue esta cartilha à risca.

Mesmo assim, ele usa bases teóricas de luxo para dar suporte a sua obra. Em uma parte do texto, uma citação de Pierre Bordieu retirada de seu livro A dominação masculina, sobre o mercado de serviços sexuais, se faz presente:
 “[...] o comércio do sexo continua a ser estigmatizado’ (p.26), é porque a “[...] vagina continua sendo constituída como fetiche e tratada como sagrada”. Esse fato contribuiria para que, tanto na “[...] consciência comum quanto no direito”, se excluísse, a priori, a possibilidade “[...] de que as mulheres possam escolher dedicar-se como a um trabalho”. (BORDIEU, 1998 p.26)

A visão do autor sobre o tratamento dado por grande parte da sociedade aos profissionais do sexo é um ponto interessante do artigo. Lopes Júnior procura desvendar as intenções deste tratamento e colocar as trabalhadoras do sexo como seres pensantes, donas de sua própria vida:

“É o que acontece quando moças, identificadas como ‘garotas de programa’, são apreendidas, como é comum ser feito pelas ‘forças do bem’ em muitas capitais nordestinas, como ‘vítimas’. Elas teriam sido ‘empurradas’ para a prostituição pela ação insidiosa de poderosas redes de tráfico e aliciamento de mulheres. Esse tipo de construção discursiva também violenta as trabalhadoras do sexo. E, apesar de suas boas intenções, reforça o estigma. Isso porque, ao reduzi-las à condição de vítimas, contribui para destituí-las da condição de ‘agentes cognoscitivos’ (Giddens, 2003), em competências para ler o seu mundo e justificar as suas ações.”

O projeto de lei nº 98, de autoria do senhor Fernando Gabeira, que pretende legalizar a prostituição no país, levado à votação na Câmara dos Deputados no ano de 2003 (engavetado até os dias atuais), juntamente com as convulsões sociais e morais que ele provoca na ala mais conservadora de nossa sociedade, também mereceram destaque do autor:
  “O incômodo causado pelo projeto de Gabeira está, não no controle, mas no fato de que, estabelecendo marcos regulatórios para o mercado de serviços sexuais, tira das sombras da ilegalidade uma atividade profissional que, à luz, questiona fortemente as fronteiras entre amor e dinheiro, entre sagrado e profano.”

É impossível não admitir a boa intenção de Lopes Júnior em seu artigo. A visão das Ciências Sociais sobre um mercado que está impregnado na cidade do Natal, se faz mais do que necessária. Quanto mais tivermos colaboradores de todas as áreas do conhecimento dispostos a auxiliar nesta tarefa, mais entenderemos esse mercado.

Mas os vícios de um meio acadêmico recheado de ideias inúteis, de doutores e professores iconoclastas de primeira ordem, inundados por suas próprias vaidades, contaminou este texto que poderia ser uma obra de grande importância para a sociedade.

Sintetizando, este artigo de Edmilson Lopes Júnior nada mais é do que mais uma tentativa do meio acadêmico de desvendar o que acontece no mundo, observando tudo à distância, sem a voz de quem mais interessa esse tipo de assunto, neste caso, os profissionais do sexo. Mais uma “masturbação ideológica” inútil.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O poder do dinheiro na relação homem X mulher

Elnatana Barreto

O livro “O sexo oculto do dinheiro”, de Clara Coria, aborda uma temática que permanece um tabu em várias sociedades. Explica a relação existente entre homens e mulheres tendo o dinheiro como mediador privilegiado. Para exemplificar a dependência feminina sob o masculino, e o poder do homem, municiado com o dinheiro, sobre a mulher, a autora destaca a prostituição feminina.

A prostituição favorece uma situação de co-dependência, onde a mulher precisa do dinheiro do qual o homem é detentor e este, por sua vez, necessita dos “serviços prazerosos” ofertados pelas mulheres. Assim ao, relacionarem-se, ambos realizam suas vontades e satisfazem seus desejos, ainda que não sejam necessariamente convergentes.

Por outro lado, Clara Coria demonstra que a situação de co-dependência não aparece apenas em uma relação de prostituição (onde o homem e a mulher não se conhecem e encontram-se apenas com o único objetivo de trocar favores), mas também em relacionamentos familiares. Apresenta a mulher casada em uma situação semelhante, quando não tem renda própria e necessita do homem na condição de provedor, oferecendo-lhe, em troca, favores não apenas sexuais, como também agregando funções de dona-de-casa para satisfazê-lo.

Ao tentar sair da dependência masculina em casa, a mulher tende a estabelecer uma situação de submissão a outro homem, dependendo da mesma forma do dinheiro que ao longo da história concentrou-se em mãos masculinas. Assim, poderá permanecer em segundo lugar quanto a dispor de dinheiro que lhe assegure a dose fundamental de autonomia, um exercício árduo e que requer grande dose de determinação.

Desta maneira, um número expressivo de mulheres se coloca dependente do dinheiro masculino, ampliando, em conseqüência, a concentração de poder sobre um homem que se julga detentor de direitos propiciados por sua condição de provedor, em relações estabelecidas com base nesta distribuição desigual de forças. Esta é a realidade que a autora disseca nos vários capítulos do livro e que impregna muitas sociedades e, nestas, vários grupos sociais.

Para sair desta realidade, as mulheres historicamente vêm se qualificando e buscando novos caminhos. Saindo do conforto de suas casas e abdicando do rótulo único de dona-de-casa, buscando cada vez a profissionalização e a autonomia financeira. Em depoimentos prestados à autora, as mulheres afirmam trabalhar não somente para conseguir o dinheiro, mas a independência e a percepção de ser útil para a sociedade, “o prazer que lhe dá trabalhar e produzir algo”.

Em alguns países, este movimento em direção a uma vida produtiva ainda enfrenta dificuldades, com muitas mulheres se envergonhando dessa opção, como descreve Clara. “São quase intermináveis os relatos se prestarmos atenção aquilo que geralmente não se ouve: o discurso das mulheres. Discurso preconceituosamente convertido em tagarelice, descartado ou ignorado tanto pelos homens quanto pelas mulheres. Geralmente, as palavras na boca das mulheres são consideradas simples ruidos ou uma transmissão insignificante. O preconceito machista generalizado, inserido na linguagem e utilizado para legitimar e perpetuar a discriminação, faz-se presente em toda sua plenitude quando 'todo mundo' considera 'óbvio', por exemplo, que 'palavra de homem é lei.'”

Ainda que pareça anacrônico ou fora de época, muitas mulheres continuam a sofrer preconceito e a enfrentar dificuldades para ingressar na sociedade de consumo como prestadoras de serviços qualificados. A autora discorre também sobre outros benefícios da independência econômica das mulheres, além de escapar da tutela direta de um homem (próximo tema a ser abordado). E a maneira como o dinheiro apresenta-se e influi na relação conjugal, entre outros tópicos relevantes sobre a questão dinheiro e relacionamentos entre (des)iguais.

domingo, 1 de agosto de 2010

Seres da noite

Tadeu Oliveira

São muitos os seres que habitam a noite natalense. Muitos deles nascem nas noites de sexta-feira, morrem na segunda-feira (quando a realidade chama para torturá-los) e ressuscitam ao cair da noite da sexta seguinte. A rua do Salsa, em Ponta Negra, é um dos maiores berçários destes corpos sedentos por prazer. Nas mesas dos bares, histórias emergem do nada. Entre alguns goles de cerveja, uma surge e chama a atenção pelos detalhes com que várias vozes a contam, sem quem ninguém discorde.

É impressionante o poder que a vida alheia exerce sobre algumas mentes. Em minutos, vidas são dissecadas com precisão cirúrgica. A cidade também ajuda. Natal é a maior cidade do Rio Grande do Norte, mas é tão pequena frente às demais capitais do país. Seu caráter provinciano comprova isso.

Uma voz se faz soberana na mesa do bar e conta a história de Aninha, uma garota de programa, um dos personagens que passeiam pelos bares do Salsa. Tem um filho de 10 anos. Conheceu um espanhol há quatro anos na abertura de um bar na rua, leva uma vida estável e não se arrepende de estar na prostituição.

Atualmente ela tem 27 anos e ele 45. Ele a ajuda financeiramente com uma ‘mesada’ de R$ 5 mil e, por extensão, toda a família da garota, que mora no interior do estado. Roupas e outros pequenos luxos também fazem parte dos gastos extras bancados pelo namorado de Aninha. A partir da história de Aninha, o meio da prostituição vira o centro de um debate espontâneo na mesa. A atração pela vida do próximo e o inexplicável e eterno desejo humano pelo proibido, são as guias desta conversa que parece não ter fim.

A voz relata algumas nuances das prostitutas que vagam pela noite natalense. Para ela, todas parecem iguais, pelo menos no que diz respeito à vestimenta. O ‘kit da puta’ entra em cena. Segundo ela, consiste em três elementos básicos: aparelho nos dentes, sinal de cuidados com a arcada, chapinha no cabelo e saltão. Estes signos ajudam o europeu candidato à cliente na busca pela garota de programa que deseja.

Esta voz inquieta ainda revela que eles não seguem rigorosamente padrões estéticos convencionais quando escolhem as garotas. Não ligam para beleza. Mas usam o ‘kit’ como referencial para saberem quem é prostituta ou não.De repente, a voz silencia. Parece não ter mais informações. Realmente, não tem. Sua experiência como espectadora da vida alheia não é muito aprofundada. Está delimitada pelo bom senso. Despede-se e entra na noite. Vai se misturar aos outros seres que vivem nela.