quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Prisão dos sentidos

Jomar Morais

Os jornais noticiaram a descoberta e prisão de uma máfia de prostituição que usava até crianças para saciar os apetites sexuais de clientes de alto poder aquisitivo, inclusive autoridades, em bacanais realizadas em casas de campo e hotéis. Apesar do alarde das manchetes, nenhuma novidade. A profissão mais antiga do mundo nunca esteve tão ascendente como nos dias atuais. Rompeu os limites e a transparência dos velhos bordéis e espraiou-se por toda a sociedade, não mais como um meio, mas como um estilo de vida para jovens de ambos os sexos nesta época de relações humanas estraçalhadas. Sob o eufemismo de acompanhante ou dissimulada em profissões apoiadas na beleza corporal, ganhou a aparência de atividade lícita e mesmo o aval de pais desavisados ou avaros. Sofisticada, passou a bater ponto no nosso ambiente de trabalho e nos casamentos venais.

As ruas são o único lugar onde a prostituição ainda mostra a cara limpa, em sua versão decrépita. E as máfias que tomaram o lugar das ingênuas cafetinas, o seu lado mais sórdido e perigoso, porta de comunicação com o tráfico de drogas, outro assunto recorrente nos jornais. Talvez por isso as notícias sobre prisão de bandos que exploram sexo e drogas ainda provoquem indignação e nos mantenham conscientes de que há algo podre no ar. Distraídos, não conseguimos perceber a face sutil do desequilíbrio, exceto quando ela explode em crimes hediondos como o que envolveu recentemente o goleiro Bruno e sua amante Eliza, uma história trágica gerada na prostituição vip. Admitir então que participamos dessas estruturas corruptoras, é quase impossível diante de nossa aversão à autocrítica e nosso apego à hipocrisia.

A exemplo do mercado legal, os negócios ilícitos apóiam-se na lei de procura e oferta e tornam-se mais competitivos – e, no caso, mais perigosos – quanto maior é a busca pelo produto ou serviço oferecido. Prostituição e drogas dependem de consumidores, gente que se beneficia do delivery do crime, por telefone e pela internet, e em seguida sai às ruas para clamar por repressão a prostitutos e traficantes e seu rastro de brutalidade e sangue. O fingimento, no entanto, não é o centro do problema. A questão é por que ainda precisamos de prostituição se conquistamos a liberação do sexo do mundo dos tabus, e por que ainda dependemos de drogas para nos sentirmos relaxados e livres quando podemos ser mais autênticos hoje que no passado moralista.

Não nos viciamos em substâncias, pessoas ou situações e sim em sensações prazerosas, uma espécie de prisão dos sentidos na qual nos sentimos protegidos da ameaça de olharmos para dentro e administrar nossas contradições. Numa sociedade que elegeu o non sense do prazer imediatista, é doloroso enxergar essa verdade simples, mas não há saída efetiva sem nos entendermos com o nosso dragão. Essa pax interna é a chave para reduzir as compulsões, abrindo-nos a possibilidade de fruir a vida naturalmente, sem a ansiedade e o medo que sustentam o círculo dos vícios.

*Publicado no Novo Jornal de 03/08/10

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