segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Campanha polemiza ao associar camisinha à hóstia



Uma campanha do governo espanhol para incentivar o uso de preservativos vem causando polêmica ao relacionar a imagem de uma camisinha com a de uma hóstia. Divulgada em cartazes, vídeos e outdoors, peça publicitária repete uma foto de um sacerdote segurando primeiro uma hóstia, depois um preservativo.  

A iniciativa, do setor jovem do partido socialista que governa o país, foi lançada durante a primeira semana de dezembro, de luta contra a Aids. "Bendita camisinha que tira a Aids do mundo" é o título oficial da ação. O porta-voz das Juventudes Socialistas, Juan Carlos Ruiz, explicou que "a Igreja insiste em confundir os cidadãos" e "que a campanha pretende apenas reafirmar o compromisso da luta contra a Aids".

Entidades religiosas consideraram a campanha uma "blasfêmia". O cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, foi mais enfático: "Estamos diante de um lamentável desrespeito à fé dos católicos na Santíssima Eucaristia." Rafael Lozano, porta-voz do grupo católico Forum da Família, considerou a peça publicitária "uma grande ofensa aos sentimentos religiosos de quem professa essa fé".

A propaganda contraria as recomendações do Vaticano, que não aprova o uso de camisinhas, apesar de uma maior abertura do papa Bento XVI anunciada recentemente. O chefe da Igreja Católica liberou o uso da camisinha apenas entre aqueles que fazem da prostituição seu meio de ganhar a vida.

Segundo o vídeo, "a Igreja nos diz que os preservativos, em vez de combater a doença, ajudam a expandi-la". O anúncio cita que mais de 25 milhões de pessoas já morreram vítimas da doença até 2009 em todo o mundo. A iniciativa confronta as orientações da Igreja Católica ao fazer a pergunta: "São esses realmente os que dizem que nos amam? Que não te enganem", prossegue o áudio da peça publicitária.

Fontes: Portais G1 e Terra


sábado, 27 de novembro de 2010

Jules e Jim

Cena do filme Jules et Jim, de François Truffaut (1962)

Stella Galvão

Nunca nem reparou no rapaz antes. Foi em uma noite cálida regada a cigarro, cerveja e comidinhas exóticas que ela percebeu a existência do moço. Exatamente porque ele se tornara objeto de desejo de uma mulher libertária, dessas que tocam a vida com destemor, sem dar muita bola para convenções, valores inamovíveis e outras quinquilharias mais. Essa coisa de desejar a coisa desejada pelo outro. Outra, no caso. Ele nem tinha perfil apolíneo, era mesmo um tipo comum, com um ar meio abusado e soturno, sem grandes atrativos físicos. Mas havia um quê, sim. E naquela noite ela percebeu mais nitidamente.

Pouco tempo depois, a namorada toda solta contou que o moço nutria certo tesão por ela, aquela que lhe era antes indiferente. Daí para a troca de olhares alongados, para a sensação da presença do outro em qualquer ambiente, foi um salto. A girfriend sabia, claro, se ela própria tendo criado o terreno fantasioso para afogar a dupla que se observava gulosamente. Sugeria até mesmo uma certa condescendência com a possibilidade do triângulo amoroso se formar, algo que desagradava a candidata a amante. Ela se via namorando o gajo, não a gaja.

Estava mais, na verdade, para um triângulo como o exibido magistralmente pelo cineasta francês François Truffaut em Uma mulher para dois (Jules et Jim, França, 1962). O filme, marcado por um olhar delicado e denso sobre as coisas do amor, traz um menage a trois muito simpático. Na Paris do início do século 20, os amigos Jules, um alemão ingênuo, e Jim, um francês sofisticado, se apaixonam pela mesma mulher, Catherine.

Ela ama Jules, com quem se casa. Depois da Primeira Guerra Mundial, quando o trio se reencontra na Alemanha, Catherine se apaixona por Jim. O filme mostra como esse triângulo de amor e amizade evolui ao longo dos anos. Catherine manipula os dois e cria um clima de tensão na relação. É um erotismo sutil mas que extravasa na tela, por meio da pulsão do desejo que os mobiliza. Os três acabam vivendo durante algum tempo na mesma casa, num relacionamento a três chocante para o público do começo da década de 1960, quando a liberalidade sexual ainda engatinhava. Um filme indispensável para quem aprecia boas histórias capturadas pela câmera de um diretor fundamental na história do cinema.

Mas, no caso do triângulo citado no começo deste texto, que se passa no final da primeira década do século 21, o problema residia justamente na impossibilidade de introduzir alguma leveza e humor à história. Parecia mais um roteiro marcado por uma certa obsessão e transferência, não exatamente de desejo. E ela desejada ser disputada, quase desmembrada, por dois guapos rapazes. A presença de outra mulher não a enojava, mas tampouco a enchia de vontade de desbravar a seara daquele agora lindo, sofisticado e ingênuo rapaz.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Apelo ao orgasmo para atrair eleitores

Stella Galvão*

Será que o brasileiro típico de classe média, conservador em matéria de sexualidade, se deixaria tocar pela campanha eleitoral cujo slogan é 'Votar é um prazer'? A ideia inusitada, e original, está sendo disseminada pelo Partido Socialista Catalão (Catalunha, região da Espanha), que aposta as fichas na reeleição de José Montilla à presidência do governo autônomo catalão.


No vídeo, lançado pela Juventude Socialista da Catalunha, o ato de votar se assemelha ao orgasmo, que é simulado durante todo o processo de votação, da conferência dos dados junto aos mesários ao depósito do voto na urna. O vídeo se encerra com a mulher exibindo uma aparência satisfeita, e a frase “Votar é um prazer”. O humor é garantido pela expressão de surpresa e espanto dos mesários diante do evidente estado alterado da eleitora.

A campanha, como seria de se esperar quando o assunto envolve sexualidade, causou polêmica na Espanha. Alicia Sánchez-Camacho, candidata da oposição conservadora, o Partido Popular da Catalunha, disse que o vídeo fere a dignidade das mulheres. A ministra da Igualdade, socialista Bibiana Aido, classificou a propaganda de "enganosa", numa interpretação que beira o ridículo. Bibiana alegou se o orgasmo não tivesse sido encenado, as urnas gritariam de eleitores. “Se fosse verdadeira, a participação eleitoral aumentaria muito, mas acho que estamos lidando com uma propaganda enganosa", afirmou.

José Montilla, potencial beneficiado com a onda orgásmica atrelada à eleição, reagiu com bom humor ao vídeo. “Se encoraja as pessoas a votar, é uma coisa boa.” O líder da coalizão Verde da Catalunha, Joan Herrera, preferiu pecar por sinceridade. Disse que seria “muito difícil chegar ao orgasmo votando por qualquer um dos candidatos, eu incluído”. As urnas serão abertas no dia 28 de novembro. Até lá, a Catalunha estará nos noticiários ao redor do mundo por obra da criativa peça de marketing dos socialistas.

A Catalunha, região autônoma a nordeste da Espanha, é mundialmente conhecida por ter legado arte de primeira à humanidade. Lá nasceram, por exemplo, Salvador Dalí e Joan Miró, dois grandes nomes do Surrealismo, movimento que deslocou o fantástico universo dos sonhos para as artes plásticas. A capital é Barcelona, o destino turístico mais visitado da Espanha. Lá se encontram também as monumentais igrejas projetadas pelo arquiteto Antonio Gaudí.

* Com informações da BBC.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sobre aquele ‘beijo no asfalto’


Tadeu de Oliveira      

Colocado em cartaz pela primeira vez em 1981, o filme O beijo no asfalto de Bruno Barreto, baseado na obra de Nelson Rodrigues, revela nuances do “jornalismo canalha” praticado por muitos profissionais da imprensa brasileira e sobre questões que envolvem a sexualidade, pilares temáticos das obras de Nelson. O cineasta manteve os diálogos da peça no filme, com pequenas adaptações (cacos) que não interferiram no conteúdo da obra.

Um homem é atropelado por um ônibus na praça da Bandeira, no Rio de Janeiro. Antes de morrer, ele pede um beijo a Arandir (Ney Latorraca), jovem que passava pelo local. Este concede o que lhe foi pedido. O repórter Amado Ribeiro (Daniel Filho), do jornal Última Hora, presencia o atropelamento e o beijo e vislumbra naquele acontecimento a notícia do ano.

Depois de anotar o nome e o endereço dos dois envolvidos, ele exige que Cunha (Oswaldo Loureiro), delegado corrupto, o ajude a transformar "o beijo no asfalto" em manchete do Última Hora. O delegado aceita a proposta do repórter por causa de uma denúncia que surgiu na imprensa: Cunha deu um pontapé na barriga de uma grávida, provocando-lhe um aborto.

A idéia é criar uma história para “limpar” a imagem do delegado e exaltar a figura do repórter com a venda de jornais em grande escala. A partir daí, Cunha e Amado forjam testemunhas, cometem infrações e chantageiam pessoas. Eles transformam um beijo de piedade num caso amoroso e macabro entre dois homens.

O jornal estampa o caso em manchetes e na cidade ninguém fala em outro assunto. Arandir vira motivo de gozações no emprego e acaba tendo que se demitir. Aprígio (Tarcísio Meira), pai de Selminha (Cristiane Torloni), que é esposa de Arandir, intriga-o com sua mulher e, mesmo apaixonada, ela começa a duvidar do marido. Logo toda a cidade está acreditando na homoafetividade de Arandir.

Quando a história ameaça ficar sem força, Amado Ribeiro transforma o caso num crime e reúne indícios para provar que Arandir é criminoso. A versão defendida por Amado é que Arandir era amante do atropelado e que jogou-o contra o ônibus. Em pouco tempo, todos se colocam contra Arandir e ajudam a polícia na hora de forjar as provas do crime.

Ao jornalismo o status quo
O lado negro da imprensa sempre foi uma constante nas obras de Nelson Rodrigues. Não poderia ser diferente. Filho do poderoso jornalista Mário Rodrigues, Nelson conviveu e aprendeu com as atitudes do pai. Magnata da imprensa carioca nos anos 20 e 30 do século XX, Mário usou e abusou de práticas lícitas e ilícitas para beneficiar seus interesses e de seus aliados na busca pelo poder, usando as páginas dos jornais como linha de front em suas batalhas.

Seguindo carreira no jornalismo ao longo de toda a sua vida, Nelson conviveu com tudo que cerca os bastidores do fazer jornalismo. Além disso, conviveu com profissionais que sempre viraram personagens de suas histórias. Em O beijo no asfalto, Amado Ribeiro, repórter do jornal Última Hora, foi o escolhido. Amigo de Nelson, ele não se preocupou com a imagem negativa com que foi retratado no filme. Pelo contrário, ao saber da homenagem, Amado leu a obra e agradeceu a Nelson com euforia, ressaltando que na realidade ele era bem pior que o personagem.

Do asfalto para a eternidade
Apesar de ter sido escrita em 1961, a peça possui um caráter absolutamente atual. Temas como a busca enlouquecida da grande imprensa para vender jornais, a transgressão às regras do bom jornalismo, as relações profissionais promíscuas entre jornalistas e outros profissionais, o poder da imprensa diante da sociedade, como uma falsa notícia pode devastar em pouco tempo a vida das pessoas e o preconceito que a sociedade brasileira tem com os homoafetivos são retratos que não envelhecem em nosso cotidiano.

Nos extras do DVD lançado em 2005, Bruno juntamente com Daniel Filho, comentam o filme e realçam que, na época em que ele foi rodado, a ditadura militar ainda vigorava no país, o que ajudou o longa-metragem com relação ao interesse do público, pois existia um clima no Brasil onde chocar as autoridades estabelecidas era quase um dever de quem estava envolvido na produção cultural do país e de quem consumia este tipo de produção.

As cenas fortes, como as torturas praticadas pelo repórter em Selminha, fazem parte deste contexto. Segundo ele, cenas como esta serviram para alertar a sociedade do que estava acontecendo nos porões da ditadura. A relação promíscua entre imprensa e polícia também ajudou a propagar esta ideia. Em todas as suas peças, Nelson colocava no lugar destinado ao tempo da obra, no roteiro, expressões como “a peça pode ser encenada em qualquer tempo e em qualquer lugar” e “ATUALIDADE”, com letras maiúsculas.

Não era nenhum exagero ou prepotência. Em julho de 2007, O beijo no asfalto ganhou uma versão em quadrinhos feita por Arnaldo Branco e Gabriel Góes. Os diálogos do texto original foram mais uma vez mantidos. Ainda em 2007, Nelson Rodrigues foi o autor homenageado na Feira Internacional do Livro de Paraty (FLIP), e a peça foi encenada em forma de monólogos por grandes nomes da cultura brasileira como Nelson Motta.

As grandes ideias atravessam os séculos. É a atemporalidade delas que constroem os grandes gênios. Nelson Rodrigues sempre soube disso.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Despedida

Fagner Melo

Sensação de arrependimento
Estou tragando forte
Desejando esse entorpecente
E por alguns segundos
Tirando tudo da minha mente.

Não insista, Não quero tomar
Banho com você.
Já passou, agora é privacidade
Pede a conta, o consumo?
Foi minha dignidade.

Preciso te esquecer,
Tens o dom de quebrar meus conceitos
Lembro que o anel continua no seu bolso
Escondido, disfarçando o mal feito.
Silêncio! Apenas fume,
Preciso pensar no desfeito.

E mesmo sempre e depois ainda te odeio
Não reclame! Me conhecia mesmo antes
De pegar a chave do quarto
E o corredor, de tão longo, fez intrínseca
Sua chance de arrependimento.

Sim, foi e sempre foi bom,
É hipocrisia negar,
O deplorável veneno é também o mais viciante
Estou sentindo o gosto da maçã
Culpa sua, o paraíso não terei amanhã.

O outono de uma senhora agastada

Mulher com um cigarro, Picasso, 1901

Stella Galvão

Estava vazia, sem vontade de fazer nada nem ir a parte alguma. Vivera longos 50 anos e já se via cansada. Não tinha nem sequer vontade de correr em direção a uma onda forte para quebrar as costelas com o impacto. Ou, talvez, colocá-las no lugar. Nem o chá daquela folha vivicante poderia libertá-la da sensação de inutilidade. Era possível que a vida terminasse logo. Ou não, que perdurasse indefinidamente, até que as carnes se tornassem flácidas. Irremediavelmente flácidas, quero dizer. Tinha preguiça do esforço cotidiano para manter a disposição, afetando uma jovialidade que não tinha mais, lá onde a alma se encontrava com o ânima.

Foi com este estado de ânimo a uma localidade fora de rota com o firme propósito de experimentar sensações limítrofes de abandono e fuga. A aventura durou 24 horas. Seria uma idealista, uma alma em busca de ocupação, em um assomo de loucura para mudar radicalmente de vida? Nada, apenas aquele vazio besta que vive acometendo as pessoas socialmente desintegradas. Elas fazem de conta que não percebem e seguem a rotina, o trote dos dias, sem dispensar lenitivos. Álcool, paixão, cigarro, TV, outras drogas, qualquer coisa. Podia até mesmo recorrer ao amigo que cobiçava seu velho corpo cansado e alquebrado. Era mesmo muito doloroso viver.

Naquele rincão distante para onde empreendera fuga rápida e inconsequente, o que contou mesmo foi o desfile de arte nos espaços próprios, especialmente aquela arte talhada por mãos que viveram em estado catártico, tendo uma natureza exuberante em volta. Dividiu-se, à falta de imersões em caldos gordurosos de galinha, entre dois caroneiros de beira de estrada, Gonzalez e Fabrício, ambos de estatura mediana, longilíneos, topete contido e um certo olhar desafiador, mas banais. Não valiam o desgaste de uma paixão arrebatadora, nenhum dos dois. E ela não queria arriscar coisa alguma além da própria vida. É certo que era viciada em cappucino e cremes mentolados com os quais besuntava-se diuturnamente. Sem estes dois itens, um matutino e vespertino, outro noturno, a vida podia se acabar num átimo.

É preciso relatar um fato curioso nesta vida meio secular. Por volta da época em que virou cinquentona, ela decidiu lançar-se na prostituição. O problema era o fato de agir como uma puta sensível e mal resolvida, como são todas, ainda que não demonstrem por puro profissionalismo. Porque sabem que o ofício não comporta certos apegos inconsistentes. Demonstrações de fragilidade, então, Diós, era suicídio líquido naquela atividade. Pois lançou-se nessa direção não sem antes dar-se conta que lhe interessava aquilo como tentativa última de estar em face de corpos masculinos em atividade explícita com ela. Na verdade estava meio sem vontade de estar com homens na intimidade, mas também não cogitava voltar-se para as do seu sexo. Achava bizarro o sexo entre duas mulheres. Entre homens, nem tanto.

Em pouco mais de quatro meses de disponibilidade, só apareceu um cliente. Ele a levou para jantar, conversaram e riram. Uma graça o rapaz, ainda que meio feio do ponto de vista aristótelico – essa coisa terrível das proporções, simetria e harmonia. Desejava ter sido contemporânea desse grego notável, ainda que na época e no lugar que viveu, as mulheres fossem pouco menos que reprodutoras e artefatos das casas. Queria era ter sido um aluno devoto, embrião de discípulo filosófico, ao mesmo tempo amante, primeiro de Platão. Desejava ardentemente ter freqüentado a Escola de Atenas, depois a Academia, finalmente prostrar-se aos pés do cavalo de Tróia em busca de um mítico lugar no panteão dos deuses.

Os clientes rareavam por duas razões principais. A primeira era uma certa idiossincrasia. Não suportava a ideia de se exibir, em fotografias mostradas a estranhos, desprovida de roupas. A segunda era de natureza vocabular. Tinha o hábito, essa mulher, de recorrer a palavras em desuso, de esgrimir argumentos que exigiam alguma capacidade de discernimento e inferência por parte do interlocutor. Enfim, um desastre. Para sorte dela, manter a despensa em condições de alimentar sua prole não dependia daquela fonte de renda. Gracias! O único dinheiro amealhado nessa única ocorrência, por sinal muito agradável, foi prontamente utilizado para renovar o estoque de dois dos licores que mais apreciava.

sábado, 13 de novembro de 2010

Confissões de uma garota de programa

Stella Galvão

Chelsea é linda com seus expressivos olhos negros, cabelo impecavelmente longo, corpo com tudo no lugar. Ela é vivida pela atriz pornô Sasha Grey, estrela da última produção do diretor norte-americano Steven Soderbergh (Traffic, Doze homens e outro segredo, Treze homens e um novo segredo). O título original do filme é The Girlfriend Experience (EUA, 2009), expressão equivalente a uma ‘namorada de aluguel’ que não se limita ao sexo protocolar, mas inclui também conversa e alguma camaradagem durante os encontros.

"Confissões de uma Garota de Programa" se passa durante cinco dias na vida de Chelsea, mas não há sexo explícito no filme. Os clientes dão conselhos sobre marketing e investimentos, querem que ela lhes conte detalhes sobre a vida particular, se queixam da família e pedem colo e atenção. Fala-se até mesmo nas preferências pelos candidatos à eleição presidencial de 2008 (Barack Obama e John McCain) nos EUA, o que soa meio bizarro durante os encontros.

Chelsea tem um namorado bonitão, instrutor de academia, hiperdedicado e compreensivo. Bem cinematográfico: Moram juntos e assistem TV enroscados. Ele não se importa com os programas dela, entende a vida da namorada e só ameaça mesmo pular fora quando ela anuncia que passará o final de semana com um cliente, quebrando uma regra pré-definida entre o casal. Fora isso, não há nenhum grande segredo, ação, conflitos, frustração. Sabe-se que ela é aficcionada por literatura astrológica, e só.

Todos parecem envoltos em uma bolha invisível, preocupados demais com a situação econômica e política do país. Mesmo quando a protagonista se decepciona com um blogueiro que troca um encontro íntimo por comentários na net que se revelam altamente decepcionantes para o negócio da garota, a repercussão limita-se aos olhos marejados dela numa conversa com mais um cliente compreensivo. Bom demais para ser verdade.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Uma vaca desavergonhada

Fagner Melo

Ele já
deixou claro que não, e continuo me derretendo a cada pedaço de atenção. Os emoticons tão automáticos e recíprocos me deixam em aflição, sou uma vaca me entregando e recebendo suas disfarçadas negativas. Assexuado fiquei, pois decidi, o sortudo é você. Me ofereço como prêmio de consolação e o ganhador nega a cerimônia de premiação. Acabe com essa indecisão, faça um test-drive, mude sua opinião. Garanto: tenho funcionalidade, ofereço exclusividade e prometo relaxar qualquer tensão.          
                                                  
Já pensei em namoro fictício, posso colocar no orkut ‘namorando’ e pelo twitter viver me declarando. Uma grande rejeição ele vai sentir, nada melhor que um ego masculino para ferir.  Irei ignorar, fingir que estou “nem aí” e ele dará total atenção para mim, todo homem é assim. Mas... e se der errado? Me sinto tão biscate se aparecer com um novo namorado, assim uma verdadeira vaca para ele serei, uma hora me declarando e depois saindo por aí, dando! E pior, adúltera por fingimento, fim de carreira, eu me lamento.

A chantagem não funcionou, a declaração foi um fracasso, preciso encontrar uma nova forma de ter seus noturnos abraços. E por quais outros métodos fazer me amar? Posso ser mestre em mandinga e provocar um holocausto, só com santos casamenteiros, todos afogados.                                                                                             

Na minha lista os imprevistos são previstos, caso mude de idéia, continuarei sendo serventia e estarei esperando todos os dias. Nunca reclamarei da tampa do sanitário levantada, café na cama com direito a beijinhos prometo sempre levar, serei sua mãe, sua cúmplice, sua espiã, seu zíper, sua cueca, usarei seu sobrenome e ainda terei tempo para academia, quero economizar sua vista das celulites e futuras estrias. Serei como a Madonna, com 50 anos toda enxutona, e para você não se enjoar, dou minha palavra, as posições do Kama Sutra irei praticar até decorar. Te quero porque te quero.. o que te ofereço e como ofereço não tem como negar, deixe de abuso, pare de me ignorar!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Repúdio a prostituição é tema de trabalho acadêmico


Nu couché, Pablo Picasso, 1969
 Tadeu de Oliveira

A sociedade e seu repúdio a temas considerados tabus como a prostituição são tema do trabalho “A pesquisa acadêmica na sociedade dos tabus: desafios e recompensas da iniciação científica”, apresentado no último dia 3 no XII Congresso Científico da Universidade Potiguar pelos estudantes de Jornalismo Tadeu de Oliveira e de Publicidade e Propaganda Elnatana Barreto, ambos da UnP.

O trabalho analisa as atividades do projeto de pesquisa Natal, refúgio prazeroso do europeu do qual os estudantes participam, ele como voluntário, ela como bolsista, quanto à receptividade do tema na sociedade, partindo da leitura de base teórica, com prioridade para trabalhos que tratam sobre a construção social e conceitual acerca da prostituição, a reação dos colegas e familiares sobre a temática trabalhada, a eventual revisão de valores pessoais e a observação da receptividade do projeto nas novas mídias sociais.

Durante as atividades, Tadeu e Elnatana relatam terem percebido grande interesse das pessoas com relação ao tema, com acompanhando do blog e muitas congratulações pela proposta. Um interesse, porém, não ao todo explícito. “Quando perguntávamos o porquê delas não comentarem no blog do projeto ou o seguirem no twitter, a grande maioria desconversava, ficava até embaraçada. Vimos que apesar da sociedade atual ter um ‘espírito liberal’, persiste o preconceito mesmo naqueles que tentam escondê-lo.”

Os estudantes também discorreram sobre as dificuldades encontradas durante o projeto e o quanto ele ajuda na formação de uma nova consciência sobre o tema. Contam terem sofrido com o estigma atrelado ao tema, ainda que isso não os tenha abalado particularmente. E vivenciaram a experiência de serem confrontadas por uma representante das prostitutas, Maria da Paz, que cobrou em um debate aberto uma participação mais ativa das universidades junto às prostitutas, “não em um sistema de mosteiro medieval, dialogando consigo mesma como infelizmente ocorre”.

domingo, 31 de outubro de 2010

De eleição, deusas e Poseidon


Ishtar, deusa babilônica da fertilidade e do amor
Stella Galvão

Era dia de eleição, de escolhas e opções entre o mais desagradável ou o menos ruim, o de currículo mais portentoso, ou o mais simpático ou empreendedor etc. os adjetivos ficavam por conta do povo do marketing, gente doutora em ardis de toda natureza. E nesse dia Lucília decidiu folgar. Acordou cedo, apesar da noite concorrida da véspera, e colocou sua fatiota de moça séria e idealizada por rapazes em flor, talvez até para fins matrimonais. Sim, era uma daquelas profissionais do sexo que passavam facilmente por uma dama saída de uma dessas escolas anacrônicas que treinam as mulheres para casar. Pois é, mas os noivinhos temerosos do que fariam com o ‘resto de suas vidas’ não se apertavam. Sempre poderiam contar com Lucília e colegas do ofício.

Abandonou os sinais sedutores óbvios (maquiagem forte nos lábios e olhos), cabelão, salto milimetricamente matador, roupa suficientemente reveladora, carão de loba má. Enfim, os signos todos. Sim, na faculdade, Lucília já havia cursado uma disciplina que reunia um pouco de arte, mais um tantinho de filosofia e um caldo de cultura. De modo que sabia de cor e salteado que a
prostituição já fora considerada sagrada na Antiguidade, quando a civilização engatinhava em termos tecnológicos mas não em capacidade de discernir aquilo que agradava ou não ao espírito. Ou à carne.

E o surpreendente, conforme o sociólogo francês Michel Maffesoli garimpado por esta dublê de intelectual, era sua “função agregadora”, a capacidade de “juntar” grupos, de promover a coesão. Algumas almas torcem o pescoço, já imaginando animadas tertúlias reunindo atores sociais desprovidas de vestes, mas Maffesoli voltava à carga, lembrando que algumas mulheres eram veneradas por seu papel de fortalecedoras dos laços das comunidades antigas, até mesmo sob uma aura de misticismo (o “orgasmo sagrado”). Tudo em torno da crença nas Grandes Deusas. Lucília não podia parar de pensar no Kama Sutra e em sua ideia de transcendência até espiritual por meio do encontro de corpos.

Ciente do seu papel gerador de alegrias e confortos espirituais, como profissional dedicada e satisfeita por sua escolha, Lucília buscou na mitologia um algo a mais para um domingo de festejos democráticos. Dirigiu-se à praia mais próxima e se deixou visitar por Poseidon, o deus dos mares, em tarde especialmente inspirada, com ondas que alternavam o carinho mais sutil às bravias, indutoras de desasossego e tempestades íntimas.