sábado, 27 de novembro de 2010

Jules e Jim

Cena do filme Jules et Jim, de François Truffaut (1962)

Stella Galvão

Nunca nem reparou no rapaz antes. Foi em uma noite cálida regada a cigarro, cerveja e comidinhas exóticas que ela percebeu a existência do moço. Exatamente porque ele se tornara objeto de desejo de uma mulher libertária, dessas que tocam a vida com destemor, sem dar muita bola para convenções, valores inamovíveis e outras quinquilharias mais. Essa coisa de desejar a coisa desejada pelo outro. Outra, no caso. Ele nem tinha perfil apolíneo, era mesmo um tipo comum, com um ar meio abusado e soturno, sem grandes atrativos físicos. Mas havia um quê, sim. E naquela noite ela percebeu mais nitidamente.

Pouco tempo depois, a namorada toda solta contou que o moço nutria certo tesão por ela, aquela que lhe era antes indiferente. Daí para a troca de olhares alongados, para a sensação da presença do outro em qualquer ambiente, foi um salto. A girfriend sabia, claro, se ela própria tendo criado o terreno fantasioso para afogar a dupla que se observava gulosamente. Sugeria até mesmo uma certa condescendência com a possibilidade do triângulo amoroso se formar, algo que desagradava a candidata a amante. Ela se via namorando o gajo, não a gaja.

Estava mais, na verdade, para um triângulo como o exibido magistralmente pelo cineasta francês François Truffaut em Uma mulher para dois (Jules et Jim, França, 1962). O filme, marcado por um olhar delicado e denso sobre as coisas do amor, traz um menage a trois muito simpático. Na Paris do início do século 20, os amigos Jules, um alemão ingênuo, e Jim, um francês sofisticado, se apaixonam pela mesma mulher, Catherine.

Ela ama Jules, com quem se casa. Depois da Primeira Guerra Mundial, quando o trio se reencontra na Alemanha, Catherine se apaixona por Jim. O filme mostra como esse triângulo de amor e amizade evolui ao longo dos anos. Catherine manipula os dois e cria um clima de tensão na relação. É um erotismo sutil mas que extravasa na tela, por meio da pulsão do desejo que os mobiliza. Os três acabam vivendo durante algum tempo na mesma casa, num relacionamento a três chocante para o público do começo da década de 1960, quando a liberalidade sexual ainda engatinhava. Um filme indispensável para quem aprecia boas histórias capturadas pela câmera de um diretor fundamental na história do cinema.

Mas, no caso do triângulo citado no começo deste texto, que se passa no final da primeira década do século 21, o problema residia justamente na impossibilidade de introduzir alguma leveza e humor à história. Parecia mais um roteiro marcado por uma certa obsessão e transferência, não exatamente de desejo. E ela desejada ser disputada, quase desmembrada, por dois guapos rapazes. A presença de outra mulher não a enojava, mas tampouco a enchia de vontade de desbravar a seara daquele agora lindo, sofisticado e ingênuo rapaz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário