sexta-feira, 28 de maio de 2010

A hora da ‘Estrelina’



Por Tadeu Oliveira


As noites de sexta-feira são períodos mágicos. É quando os problemas de uma semana inteira desaparecem entre drinks, tragos e conversas casuais. São muitos os seres que vagam na noite. Entre luzes e sons, muitos corpos e mentes atravessam a madrugada. Sexo e drogas são a tônica da busca pela noite perfeita.

Um rosto surge na multidão. Seus olhos evidenciam uma coragem que muitos homens proclamam, mas não têm. Ela surge com a convicção em cada passo, a certeza em cada gesto. Jaqueline é garota de programa. Disposta a falar sobre sua vida na noite, senta-se com a mesma calma com que elabora suas ideias. Seus relatos revelam nuances da cena noturna de uma Natal que os mais provincianos e puritanos desconhecem ou fazem questão de desconhecer.

Duas estrelas e um codinome

Uma estrela tatuada em cada ombro e um apelido: “Estrelina”, Estrelinha em italiano. Ela transparece uma sinceridade por vezes desconcertante. Seu corpo de 21 anos esconde uma maturidade que não cabe em um texto.

Mora no bairro das Quintas, periferia de Natal, e vai de ônibus para a noite em Ponta Negra de ônibus. Volta para casa de táxi e paga cerca de R$ 40,00. Tem um filho de três anos (mesmo tempo que está na noite) cujo pai foi embora. Não terminou o ensino médio. Começou a trabalhar como garçonete em um bar de Ponta Negra há dois anos. Neste trabalho, conseguiu maior contato com os europeus que visitam a capital, sua principal clientela. Deixou o bar para ganhar a vida na “noite”.

Namora há um ano com um italiano de 30 anos que já foi seu cliente. Na primeira vez que transaram, foi tão bom que não aceitou pagamento. Ele é da cidade de Carpi, próxima a Bologna. No primeiro semestre de 2010, Estrelina ficou um mês na cidade dele. No mês de agosto, volta para lá sem tempo determinado de estadia. O relacionamento é tranqüilo. Enquanto ela trabalha na noite em Natal, ele acha que ela está em casa. Ele só vem para a cidade a passeio e todo mês envia um valor simbólico em dinheiro.

Abordagens, preferências e relações
“Não dou em cima do cara. Ele que venha ao meu encontro”, diz Estrelina. Para ela, um detalhe a ajuda a escolher o homem certo para sair: “A primeira coisa que presto atenção é no relógio. Dependendo da marca, posso estipular até o preço do programa”.

Quanto às suas preferências, ela é categórica: “Só saio com homens até os 45 anos de idade que não sejam feios, gordos etc. Não me envolvo com os homens brasileiros para programa. Eles não tratam as garotas de programa com o mesmo respeito que os europeus. Além do mais, existe a possibilidade de acontecer um romance e isso atrapalharia meu trabalho”, completa.

Durante a conversa, seu telefone toca. É um candidato a cliente negociando um programa. A conversa é toda em espanhol. Ela aprendeu a língua, assim como o italiano, nos relacionamentos com os europeus: “Era um velho querendo sair comigo. Com velho não saio!”

Jaqueline revela a forma com que os europeus tratam as garotas de programa: “Eles tratam as meninas como namorada mesmo. Às vezes vão até a casa delas, conhecem as famílias, perguntam se podem ajudar em alguma coisa, levam a shoppings, cinema, ou seja, programas comuns de qualquer namoro. Nas relações sexuais, o que importa para eles é o bem estar da menina e a maioria não quer extravagância na cama. Quando ela não quer, não tem. Muitos até gostam de inverter os papéis, se fazem de “mulherzinhas” durante o sexo, conta Estrelina.

Nuances de um mercado informal
Na alta estação (período de agosto a março do ano seguinte) quando os europeus vêm com maior freqüência a Natal, Jaqueline trabalha todas as noites. Chega à rua do Salsa por volta de 22h e fica até as 5h do dia seguinte. Em uma noite, chega a sair com dois a três clientes europeus, faturando de R$ 800 a R$ 1.000 por cliente. Neste período, já ganhou uma vez R$ 12 mil em um mês.

Na baixa estação, que corresponde aos demais meses do ano, a realidade muda drasticamente. Ela só vai para a noite quando dá. Sempre visita sites de empresas aéreas como a TAP para ficar atenta à vinda dos europeus. “Devido à crise financeira, os europeus que têm vindo ultimamente são holandeses e noruegueses. Antes, espanhóis, italianos e portugueses eram maioria, mas seus países sofreram muito com a crise”, relata.

Nesta época, em um programa fatura de R$ 150 a R$ 200. “Rodo como uma barata tonta acompanhada de uma amiga até aparecer algo. A meta é ficar até as cinco da manhã, mas se estiver muito cansada, vou para casa antes”. É quando termina uma jornada que mescla prazer, fruição corpórea e exaustão. Amanhã tem mais, e mais e mais.

terça-feira, 4 de maio de 2010

A verdadeira primeira dama de Natal



Tadeu de Oliveira

Natal, na década de 40, quando o Trampolim da Vitória concretizava-se como ponto crucial da estratégia 'yankee' na Segunda Guerra Mundial, escondia pérolas históricas em sua sociedade, algumas relembradas com orgulho até os dias de hoje, outras jogadas no buraco-negro do esquecimento. A senhora Maria de Oliveira Barros, paraibana de Campina Grande, é uma delas e uma das mais reluzentes.

Maria Boa, como era conhecida popularmente, era dona do maior e melhor cabaré que o Rio Grande do Norte já teve. Um mito que não sobreviveria não fosse a perspicácia de professores e alunos universitários, que resgatam sua vida em trabalhos acadêmicos de variados estilos. É o caso do texto 'Maria Boa, a primeira dama', do jornalista José Correia Gomes Neto. Ou de um capítulo do livro "Histórias que vivi", de Ary Guerra Cunha Lima.

Ambos resgatam fatos que comprovam a importância de Maria Boa e seu estabelecimento para a estadia norte-americana em Natal. De tão famoso, o cabaré era referência geográfica da cidade. Sua clientela variava de políticos de extrema importância a americanos oriundos da base de Parnamirim Field. A cafetina chegou ao ponto de ser homenageada pelos 'sobrinhos do Tio Sam' em um avião modelo B-25 utilizado no front. Quem custou a acreditar neste fato foi a própria Maria. Até que alguns tenentes decidiram levá-la até a linha de estacionamento dos B-25 logo após o jantar para não despertar a atenção dos curiosos. Ela constatou o fato. As lágrimas verteram de seus olhos quando viu à sua frente, pintada ao lado do número 5079, a inscrição "Maria Boa".

A importância da figura de Maria para a sociedade da época ainda é confirmada em outros trechos do texto na voz de outros autores citados por Correia. Eliade Pimentel, no artigo 'E o carnaval ficou na memória' destaca a presença de Maria Barros nos carnavais de Natal: Lá pela década de 1950, os desfiles passaram a acontecer na Avenida Deodoro da Fonseca. Maria Boa desfilava com Antônio Farache em carros conversíveis.

Em 2003 o cantor Valdick Soriano, quando entrevistado por Everaldo Lopes, registrou que quando esteve em Natal pela primeira vez, cantou até para as meninas de "Maria Boa". Todas essas vozes confirmam que Maria Boa era e sempre será a primeira dama de Natal, às avessas, quem sabe, mas com toda a representação social de uma verdadeira lady.

Para a Natal provinciana dos anos 40 e 50, diante de uma sociedade extremamente puritana, ela afirmou-se como profissional do sexo bem-sucedida e fez morada (ainda faz) na mente de homens e mulheres que conhecem algum detalhe pitoresco sobre a história da paraibana. Uma mulher de personalidade forte o bastante para marcar seu nome na história. E, apesar da fama, Maria Barros concedeu, em vida, apenas uma entrevista que não pôde ser gravada. Serviria à produção do filme For All – Trampolim da Vitória, que retrata a Natal de 1943, quando havia 15 mil soldados americanos na base de Parnamirim, sem esquecer de mencionar Maria Boa e seu festejado cabaré.

Nos anos 1980, relata Ary Cunha Lima, com a proliferação das boates, o cabaré entrou em declínio e fechou. Quanto à proprietária, Maria morreu em Natal em 1997, aos 77 anos. Já no novo século, a prostituição permanece em uma espécie de limbo social, e assim o mito Maria Boa terminou alijado do contexto social da Segunda Guerra Mundial na cidade do Natal. Mas a fama dela, por si só, comprova que não existe sociedade sem sexualidade. Que me perdoem os puritanos, mas ela é fundamental.