sexta-feira, 16 de abril de 2010

Quanto mais morno, mais normal?

Stella Galvão

Sexo e casamento, uma combinação condenada à temperatura morna? É o que aponta um longo estudo norte-americano, que tem registrado uma freqüência muito pequena, naquele país, de atividade sexual para quem divide uma cama com seu par, noite após noite. No Brasil, a freqüência é um tantinho superior, mas os brasileiros também se ressentem do peso da rotina conjugal. É esse gênero de performance que é analisada pela psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Um casal casado faz sexo 58 vezes por ano, segundo uma organização que avalia o comportamento dos norte-americanos desde 1972. E no Brasil?
Carmita Abdo - O Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, coordenado por mim em 2003 e depois, o Mosaico Brasil, que coordenei em 2008, confirmaram que a freqüência de um casal brasileiro, numa fase ativa da vida sexual, é em média de duas a três relações sexuais por semana, o que dará mais que 58 relações ano. Isso se refere a um casal na faixa dos 40 anos. A média obtida pelo levantamento norte-americano se refere à freqüência de um casal numa fase mais avançada da vida, em torno dos 55-60 anos de idade para o Brasil. O Estudo da Vida Sexual do Brasileiro ouviu aproximadamente 7 mil pessoas, enquanto o Mosaico reuniu uma amostra superior a 8 mil homens e mulheres.

As pesquisas têm revelado que até 15% dos casados não façam sexo com o cônjuge ao longo de seis meses. Em casos, assim, é comum ambos se acomodarem com a situação?
Carmita - O que podemos dizer é que mais comumente as mulheres têm desinteresse sexual numa determinada etapa da vida, geralmente com a chegada do climatério e da menopausa, por volta dos 50 anos. Nessa faixa etária, é relativamente freqüente ela se desinteressar e até ficar sem sexo ou espaçar mais a freqüência com que faz sexo. Já os homens raramente perdem a vontade e o interesse por sexo, mesmo em idade mais avançada. No Brasil, a média de pessoas que vivem sem sexo, que não pensam nem se preocupam com o assunto, é da ordem de 10% da população sexualmente ativa e, deste universo, 7,7% é formado por mulheres e 2,5% por homens.

Por que o sexo torna-se morno no casamento?
Carmita - Fatores psicoemocionais interferem bastante, ou seja, não haver mais desafios, a situação de maior estabilidade no relacionamento, de ausência de novidade. A rotina, portanto, é o que acaba acomodando esses casais e tornando o sexo menos exuberante. Por outro lado, sabemos que casais que têm relação mais longa, que constituem família, passam a ter impedimentos para um sexo livre, sem horário pré-determinado. Quando as tarefas se multiplicam, muitas vezes com carga maior de trabalho para fazer frente às despesas familiares, o sexo acaba se tornando menos entusiástico, mas os casais podem buscar saidas como tirar férias ou criar o hábito de frequentar locais de maior privacidade.

É possível se falar hoje em casamentos assexuados, nos quais as pessoas permanecem juntas mais por conveniências sociais, econômicas etc.?
Carmita – Sim. Existem casais que terminam optando por isso, não necessariamente de forma explícita. Às vezes, eles concordam que não têm mais interesse sexual um no outro, mas definem que permanecerão casados por conveniência, não apenas econômica, mas também prática, para terminar a criação dos filhos, porque gostam da convivência, porque existe amizade e confiança entre eles. Ocorre de fazerem até acordo que prevê vida sexual fora do casamento, mas isso é menos comum. Na maioria das vezes, os casais simplesmente deixam de viver a vida sexual e não tornam esses acordos tão declarados.

Quando se chega uma fase praticamente assexuada, ainda é possível reacender a atração entre o casal?
Carmita - Sim, há casais que conseguem superar, voltando a se valorizar, passando a se cuidar mais, mudar de atitude, quando identificam que as causas do desinteresse sexual foram a negligência consigo mesmos e com o parceiro. Por exemplo, uma mulher - que tenha tido na juventude dificuldade em se entregar, cujo sexo era difícil e não conseguia trazer prazer - com a maturidade, essa mulher pode adquirir mais desenvoltura e reacender a atração de seu companheiro. Então, a maturidade não necessariamente baixa o interesse sexual dos parceiros, mas pode ser um elemento de estímulo. Da mesma forma, um homem que teve um desempenho satisfatório quando jovem, mas à medida que o tempo foi passando, passou a valorizar muito a carreira, pode, no momento em que atinge estabilidade profissional, voltar a ser interessante e sedutor porque passa a investir mais nesse aspecto de sua vida. Mas é claro que há casamentos que duram o tempo que poderiam durar e não têm mais como serem retomados.

A mesma pesquisa identificou uma freqüência três vezes menor da mulher em buscar relações casuais. A mulher trai menos por freio cultural apenas?
Carmita - Por freio cultural, sim, mas também por uma série de eventos no curso da vida dela que o homem não enfrenta e cuja ausência o libera muito mais. A mulher engravida, amamenta, entra numa fase de menor interesse sexual com o climatério, menstrua, o que limita o número de dias nos quais ela está disponível para o sexo. Influem, portanto, a parte biológica, o freio cultural e o aspecto mais psicológico da mulher. Quando ela busca outro relacionamento, geralmente não está procurando apenas prazer, mas um novo relacionamento. Já no caso da infidelidade masculina, uma situação arraigada à cultura latina, os homens não se percebem como infiéis. Para boa parte deles, infidelidade significa envolver-se afetivamente com outra mulher que não a sua. Portanto, não estaria sendo infiel o homem que apenas faz sexo com outra mulher, como alegam. Nos dias de hoje, há ainda o dado de que cada vez mais mulheres fazem sexo por prazer meramente sexual e para usufruir de um relacionamento íntimo satisfatório. Essas não correspondem à maioria, mas sem dúvida compõem parte do universo feminino atual, que se permite encarar o sexo com maior liberdade.

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