quarta-feira, 14 de abril de 2010

Historinhas de alcova

Stella Galvão

Nadja era psicóloga e se orgulhava do divã concorrido, mas havia uma lacuna: ela sonhava encarnar uma versão do cronista Nelson Rodrigues escrevendo relatos picantes para afixar pelas paredes do consultório ou despachar para sua lista de e-mails. Já tinha alguns casos reunidos, mas faltava-lhe um certo ‘quê’ para se aprofundar nos vãos das partes pudentas. Ocorre que a escriba era inclinada ao barroco. Adorava um palavreado rebuscado, essa discípula de Machado de Assis, Stendhal e Kafka. Ainda assim, presa que era dos vocábulos e verbalmente alheia a uma boa sacanagem, ela iniciou sua tímida incursão na ficção.

Camila
Moça de família conservadora, o recato em figura de gente, educada para ser boa esposa e mãe. Casou-se e o marido era o protótipo do bom partido: bonito, educado e bem-sucedido. No começo, a paixão era o alimento da vida íntima. Passado o encanto dos primeiros meses, Camila passou a achar o marido pouco criativo na cama. Evitava tocar no assunto porque ele não gostava de 'discutir a relação'. Depois de uma discussão em que ele a chamou de 'frígida', resolveu procurar ajuda de uma terapeuta sexual. Descartados problemas fisiológicos, ela tentou levá-lo à terapia de casal. Diante da recusa, a relação ficou insustentável. Camila agora gerencia uma sex shop onde instrui clientes a se exercitarem em jogos eróticos, testados ruidosamente por ela diante do espelho.

Juarez
O caso de Juarez é o que os junguianos chamam de arquetípico, muito comum, retrato de uma época, de um subgrupo, de um vicio cultural. O comerciante casou-se cedo com a primeira namorada 'séria'. No começo, a vida do casal era até movimentada. Mas logo veio o primeiro filho. Depois do segundo bebê, os encontros só aconteciam burocraticamente uma vez por semana. Ele já chegava em casa sem disposição. Daí para a perda da vontade foi um pulo. Juarez recorreu a um urologista. Sentia desejo, mas não conseguia passar da vontade à ação. Foi orientado pelo médico a tomar a pílula azul. Ele olha todos os dias para a bula cheia de restrições e não se decide. Já o olhar mortiço para a dona do cafezinho, portadora de glúteos de dimensões avantajadas, esse, sim, é cheio de disposição.

Eduardo
Já Eduardo sofria de um drama de outra envergadura. Desde adolescente ele achou que faria sucesso com as mulheres, devido ao volume um tanto quanto saliente do cuecão de seda mista. Casou-se por volta dos 25 anos, mas nunca conseguiu qualquer performance digna de nota. Dali em diante, a duração das relações com a mulher era cada vez menor. Tudo terminava em segundos. Com o casamento abalado, procurou ajuda de um psicólogo. Depois de algumas sessões e maior abertura para conversar com ela sobre suas dificuldades, ele já consegue se controlar e começou a enxergar o mundo sob outra perspectiva que não a do tamanho do órgão sexual. Mas, nos banheiros masculinos, não se contém em observar seu próprio jato, de olho nas dimensões e formatos alheios.

Ana
Divorciada, Ana conheceu um homem que lhe encantou com a conversa envolvente. Na cama, aparentemente tudo funcionava muito bem. Meses depois, passou a estranhar que ele evitasse as carícias preliminares e definisse dois tempos para o orgasmo: somente depois que ela chegava lá, era a vez dele começar o próprio ritual. No começo, até gostava da dupla sessão, só por contrariar a rotina, mas cansou de tentar ser duplamente sexy. Tentou conversar - ele disse que de falta de sexo ela não podia se queixar. A situação colocou o casório em uma corda bamba. Angustiada, Ana soube das oficinas oferecidas por uma Ong feminista para orientar mulheres a explorar potenciais prazerosos. Treinou os exercícios pélvicos e novas posições, cheia de vontade de entrar em ação bem longe daquele duplo expediente corriqueiro.

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