quarta-feira, 7 de abril de 2010

Baile dos mascarados

Stella Galvão

O cabo Josias, claustrofóbico, deserdou. O soldado Josenildo escafedeu-se para a lagoa de Extremoz por não suportar a ideia de interromper o fluxo de ar entre seus orifícios nasais e o meio externo. A segunda-feira pós carnaval atemporal seria pródiga em papeis com timbre de doutores atestando o estado gravemente infeccioso da dupla que deveria zelar pela segurança dos foliões. No lugar disso, foram cuidar de se expor a vírus menos danosos. Indiferentes a esses pormenores, os pulantes só paravam de tirar os pezinhos do chão, obedecendo ao comando do microfone, quando soava o gongo de fim da farra de um abadá. Nessa trilha feita de corpos suados, latas de cervejas e muito riso, oh, quanta alegria, as inocentes máscaras cirúrgicas eram nada mais que um acessório pendurado no pescoço. Volta e meia, obedecendo ao comando dos câmeras de TV, elas subiam ou desciam ao sabor das circunstâncias.

No palanque das autoridades excessivamente ornamentadas, não se via sinal de burca a burlar o assédio viral. É claro, quem se arriscaria a salgar o mel dos foliões em pré-ano eleitoral? Nem insanos de plantão, ainda mais já acompanhados do bloco marqueteiro.

Para horror do povo da saúde, em pânico com a iminência de uma epidemia e o risco de plantões redobrados, os tolos locutores das TVs locais abordavam pseudo-celebridades com a pergunta padrão: Já beijou? Em resposta, muitas gargalhadas anunciavam a inevitável troca de fluidos bucais, fértil campo para disseminação de microorganismos, essas criaturas ínfimas novamente guindadas à fama por obra de um conjunto de letras e números. H1N1 era o vilão. Quem haveria de dizer? De longe, ainda que disperso nas petéquias natalinas da árvore de Mirassol, ele parecia inofensivo. Como os melhores e mais desejados vícios e gostos inconfessos.

No meio da turba contente por protagonizar alegrias pré-fabricadas em dose dupla ano após ano, o verdadeiro mascarado era um cidadão insuspeito, destes que não rompem cordões nem se embriagam até o coma. No passado, talvez. Hoje um homem de família, embora uma família esgarçada, ele se distraia em engabelar uma cinquentona já um tanto quanto exaurida e prestes a dormitar por décadas. O que o animava era a possibilidade da queda da bastilha, o pobre anacrônico, séculos depois do verdadeiro acontecimento na França pré-revolucionária.

É verdade que a lua se insurgia, radiosa, por sobre o cenário mimoso. Que dali a algumas horas nada mais restaria além de toneladas de lixo, resíduos humanos pós sessões explícitas de esfregaço e uma certa melancolia que se instala após uma explosão de pulsões. Este carnatal seria mesmo inesquecível: que gênio do marketing teria instilado o medo e o desejo de desafiá-lo para reunir mais gente? Se assim a turba agia com o vírus, por que não o fazia com os germens presos às ferragens da política torpe?

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