sexta-feira, 2 de julho de 2010

Um mimoso universo carioca


Tadeu Oliveira


A prostituição na cidade maravilhosa é um universo particular. Diversos trabalhos acadêmicos são realizados tendo como pano de fundo a cidade do Rio de Janeiro. A beleza da cidade e seu clima urbano tenso são ingredientes para que núcleos de trabalhadores do sexo proliferem em escala abundante. As zonas de prostituição são uma realidade no Rio, e frequentemente, estes espaços são alvos de ricos estudos antropológicos.

É dentro deste contexto que se insere o artigo científico Sexo para quase todos: prostituição feminina na Vila Mimosa, de Eliane Pasini. Fruto de uma pesquisa realizada na antiga zona de prostituição da Vila Mimosa na capital fluminense, de 2002 a 2005, o texto procura desvendar o local que, além de servir de ponto para consumo de sexo, reunia também núcleos comerciais e residenciais.

As relações sociais entre trabalhadores do sexo, donos de estabelecimentos comerciais e os clientes estrangeiros conferem à região um clima de efervescência constante. A tensão reinante é revelada pela autora: “Parece mesmo que a Vila é constituída pelo excesso: excesso de barulho, de cheiros, de pessoas, de carros, de voz em volume alto, de gestos. Isso tudo dá ao universo o aspecto de uma tensão contínua e, ao mesmo tempo, de uma dinâmica incontrolável.”

O ponto alto do estudo é a presença dos clientes estrangeiros no local. Sobre eles, Eliane descreve um episódio que assistiu e que representa bem o comportamento agressivo dos donos de casas de prostituição para com ‘os de fora’: “Em uma tarde ajudava na organização de um evento que escolheria a Gatinha Mimosa. Repentinamente chegou Milton, dono de um dos estabelecimentos da vila, que esbravejou na minha frente: 'Tem um gringo que tá tirando fotos das minhas meninas. É a última vez que venho reclamar, se ele aparecer mais uma vez na Vila, ele é um homem morto.'”

O poder da Associação dos Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa (AMOCAVIM), também é realçado na obra. “É a entidade que responde pelos acontecimentos sociais, políticos e legais da Vila Mimosa. O discurso de seus integrantes expressa preocupações no que se refere à qualidade de vida das prostitutas na Vila de forma que elas realizem melhor o exercício da prostituição. A Associação é composta por donas e donos de estabelecimentos de prostituição. Nesse sentido, não é uma associação de prostitutas, é uma “associação empresarial.”

O texto de Eliane Pasini é mais uma fotografia de uma realidade social. O que a autora resgata é um microcosmo de um modelo de prostituição que já enfrentou melhores dias, segregada que era em guetos, a salvo do olhar moralista das famílias. Hoje, os núcleos de prostituição e a presença de clientes estrangeiros se disseminaram na paisagem das grandes cidades brasileiras, em diferentes formatos de prestação do serviço sexual.

Por mais que políticas públicas para a eliminação destes locais sejam sempre consideradas pela autoridade do momento, é preciso compreender que eles são parte de um complexo sistema de interação social. Constituem uma cidade à parte dentro das várias outras cidades que os grandes centros abrigam em sua ampla estrutura e múltiplas facetas.

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