quinta-feira, 22 de julho de 2010

A clientela da mulher do taxista



Stella Galvão

Marilda era experientada nos temas da noite. Depois de trabalhar por quase uma década atrás do balcão de um bar concorrido, ela colecionava histórias do arco da velha. Garotas e estrangeiros iam e vinham, no ritmo daquela vida fervilhante, e ela gritava o nome de uns e corria a paparicar outra ou outro. Entre um brinde e outro, num dia de folga daquela lida perfeita para insones, ela apontou o motorista de táxi cafetão. Todos os dias, invariavelmente, ele encerrava o expediente no volante e passava em casa para o embarque da sua mulher, toda produzida e perfumada. O destino era uma das áreas de prostituição mais ativas da cidade. Lá, enquanto ela saracoteava entre as mesas, toda rebolante e dadivosa, ele dedicava-se a animadas partidas de pif paf com outros colegas de ofício. De taxista ou de cafetão? De ambos, é claro.

Na hora que pintava um cliente, Zé, o taxista, era sempre o escolhido para levar o casal. Na direção, podia até mesmo exercitar seu lado voyeur, dando uma espiada no casal que se agarrava e já iniciava a dança toda no banco de trás. Com o tempo aquilo nem mais despertava interesse. Desembarcava sua senhora e acompanhante no motel e aguardava, entre um cochilo e o outro, dentro do estabelecimento. Eram até três corridas por noite.

Se sentia ciúmes? Isso era besteira de gente metida, ele explicava. O que importava eram as bocas para alimentar, o dinheiro livre pra ganhar as praias no domingo - folga de ambos -, o passeio no shopping, uma ida anual a um parque aquático, cigarros especiais para ele, uma lavanda francesa para ela, as visitas a churrascarias, os dois grupos de forró que o casal assistia onde quer que se apresentassem. Realmente, não  havia como bancar tudo com os caraminguás reunidos com as corridas pela cidade, com os turistas disputados quase no grito com os ônibus fretados, bugueiros e toda sorte de entrões, reclamava Zé.

Quanto a ela, de nome Silmara, bastava garantir sua cota de perfumes, cremes e penduricalhos, acessórios cuidadosamente organizados por cor e disposição para a noite. Quando usava os vermelhos ou rosa, a festa prometia. Ela adorava se emperiquitar toda e era mesmo conhecida pelo barulho das muitas pulseiras, dos dedos lotados de aneis extravangantes, do jogar da cabeleira. Sim, porque despesa grande era mesmo no salão de beleza, com aquela loucura de fazer a unha dia sim, dia não. E mais mega hair, sandalinha nova todo mês, calça de marca e academia de 30 reais/mês. O casal brigava só na hora da partilha. Ele sempre queria avançar na 'féria' dela na noite, extraindo mais que os 40% ditados pelo mercado. Era uma rinha de galos, com ela esbravejando que também fazia ele faturar, levando-a para cá, o motel, e para lá, os botecos, a rua, o árduo esforço de existir e produzir.

Mas, quando despontavam os raios do sol a brindar mais um dia, o casal cansado avançava em direção à casa. Cambaleantes, trôpegos, mas afinal bem casados, como comentava a vizinhança. Dormiam juntinhos, entre juras de amor e novo acerto para mais uma noite daquelas. Afinal, estavam às vésperas do início da alta temporada de turistas, garantia de faturamento alto, líquido e certo.

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