sábado, 26 de junho de 2010

À base de agulhas


Stella Galvão

Georgina, de tão sofrida infância alimentada por cocos e mangas apenas disponíveis nos quintais vizinhos, tornou-se uma mocinha adorável e saltitante, dona de um traseiro empinado que por pouco não resultou em lordose. Por obra dessa saliência, enlouquecia marmanjos onde quer que estivesse, de tipos sarados com aquele ar blasé de aspirantes a homossexuais, a senhores com ingresso já assegurado na terceira idade.

As amigas tinham que amargar o segundo e o terceiro lugar na preferência masculina, razão pela qual eram confiáveis apenas em situações que não envolvessem o sexo oposto. Georgina não se fazia de rogada e trocava com certa assiduidade de namorado. Bastava o tipo aparecer com uma conversa meio torta, ou usar o penteado ao contrário, ou lançar um olhar lânguido na direção de outras ancas. Era byebye, so long, goodbye

Assim exigente, granjeou fama e tornou-se ainda mais disputada. Naquele momento de vida, ela arrastava as asas na direção de um piloto de uma companhia aérea britânica. Lindo, um arrasa quarteirão, todo amoroso e disponível. O problema é que os vôos para o país tropical passaram a escassear e o romance ficou no ar. Àquela altura, Georgina já sonhava com um amplo e sóbrio apartamento nas proximidades de Crescent Gardens londrinos, oh, glória!

Mas eis que o piloto desapareceu em algum triângulo com ou sem bermudas, estranhamente depois de ter pedido, no que foi prontamente atendido, fotos em posições sensuais. O erro da moça foi ter recorrido a uma amiga alheia a estratagemas de sedução e desatenta aos limites de enquadramento de um instantâneo. As imagens reunidas, como num quadro daquele estranho do  Francis Bacon, sugeriam algum tipo de esquartejamento em vida.

Após o infausto acontecimento, Georgina decidiu dar um tempo para si. Agendou sessões de acupuntura para relaxar, aplacar a dor que lhe consumia as entranhas e também como forma de autoflagelação, ela pensou sobre a idéia de agulhas sendo introduzidas em pontos-chave do corpinho sofrido. A primeira sessão transcorreu calmamente, exceto pelo olhar de peixe morto do doutor em direção à porção que se elevava no lençol branco e imaculado.

Com o progresso das sessões, mais áreas tiveram que curvar-se à sanha terapêutica das microagulhas. Os trajes menores da moça aquela altura eram uma doce recordação do doutor, que a espetava com prazer crescente. E não é que se deu a catarse entre a medicina complementar e os afetos e pulsões? De tanta acupuntura, Georgina agora quase desfalece dia sim, dia não.

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