terça-feira, 8 de junho de 2010

Copacabana e suas ‘garotas’

Bebel, prostituta vivida em 2007 pela atriz Camila Pitanga na novela Paraíso Tropical, de Gilberto Braga

Tadeu Oliveira


Copacabana, princesinha do mar. Lugar que, para muitos, é o berço da alma carioca. Cenário onde todos os dias se festejam com igual ardor os dias ensolarados à beira mar, e as noites no sem-número de bares e boates da ex-capital federal. Nela, muitos vivem como se cada dia de suas vidas fosse um capítulo de novela das oito. Gilberto Braga é quase um Deus nesse lugar. Escreve destinos imperfeitos, sempre com um final feliz na manga.

Há pessoas que vivem como se cada gesto seu tivesse como trilha sonora os enferrujados acordes da velha Bossa Nova, seus decrépitos e retrógrados balbucios de letras dissonantes sobre a realidade que os cerca. Prisioneiros de sua vaidade burguesa. Para cair na realidade, é preciso ter coragem ou permitir que ela seja jogada na cara, sem anestesia. O livro 'Garotas de Programa: Prostituição em Copacabana e Identidade Social', de Maria Dulce Gaspar, é um remédio e tanto para os viciados na futilidade que as grandes mídias lhes jogam na mente.

Fruto de seis anos de uma pesquisa desenvolvida pela autora para sua dissertação de mestrado (apresentada nos idos de 1984), o livro traz um retrato peculiar de uma Copacabana que, raramente, figura nos folhetins das oito da noite. Seu objetivo foi estudar a organização e as representações sociais de uma forma de prostituição praticada por mulheres jovens oriundas da classe média da sociedade carioca. Retratos da área estudada são constantemente revelados no livro:

A zona de ocupação nas proximidades do Copacabana Palace e limitada transversalmente pela avenida Princesa Isabel e pela praça do Lido interessa particularmente a este estudo, pois nela desenvolvi todo o trabalho de campo para sua elaboração. Essa subárea contígua ao tranqüilo e residencial Leme, caracteriza-se por uma grande quantidade de boates ligadas à prostituição Os cartazes e vitrinas de boates divulgam as mais variadas atrações eróticas e os letreiros luminosos dão a essa região um ar próprio bastante feérico, que chama a atenção dos transeuntes. (GASPAR, 1985 p. 17)

Nele, a autora também relata detalhes de seu trabalho de campo:
Em resumo, o trabalho de campo se baseou na observação direta realizada nas boates e nos bares freqüentados pelas garotas, tendo como foco a interação prostituta-cliente, e na realização de entrevistas que foram pouco numerosas e nem sempre tão proveitosas como as conversas informais que presenciei e procurei travar com minhas informantes. (GASPAR, 1985 p. 50)

Uma constatação de Dulce chama atenção para os motivos que levam uma garota a prostituir-se:
Se existem as “vítimas”, há também garotas que resolveram, de forma deliberada, se dedicar à prostituição por não estarem satisfeitas com o padrão de vida que poderiam ter através da profissão que exerciam. Devido aos seus dotes físicos, principal exigência na prostituição, essas mulheres podiam obter rendimento muito superior do que na antiga ocupação. (GASPAR, 1985 p. 94)

Como embasamento teórico de suporte para a elaboração do trabalho, vários autores e obras são citados no livro. A autora faz uma análise da literatura sobre a prostituição na França, nos Estados Unidos e no Brasil. A questão da sexualidade é realçada. Destaque para uma citação de Michel Foucault em seu livro Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita:

(...) é no sexo que devemos procurar as verdades mais secretas e profundas do indivíduo; (...) é nele que se pode melhor descobrir o que fosse necessário esconder as coisas do sexo porque eram vergonhosas, sabemos agora que é o próprio sexo que esconde as partes mais secretas do indivíduo: a estrutura de suas fantasias, as raízes de seu eu, as formas de sua relação com o real No fundo do sexo, está a verdade. (FOCAULT, 1978: 4).

O livro de Maria Dulce representou uma importante contribuição para a Antropologia Urbana e para o estudo das temáticas sobre os chamados ‘desvios da sexualidade’ e a construção social de identidades neste terreno peculiar. Veio enriquecer ainda mais os estudos sobre o universo de mulheres que povoam o imaginário masculino e dele tiram proveito monetário. Ele revela questões essenciais sobre a sexualidade no universo das camadas médias urbanas, além de contribuir para ampliar nosso olhar sobre o microcosmo gigante representado por Copacabana em particular e o Rio de Janeiro em geral. Uma cidade que se revela muito além do que a televisão é capaz de mostrar.

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